sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Mais um escrito



Nos últimos dias me senti fraca, mas não por conta da anemia, era uma fraqueza diferente, um frio no corpo, uma falência que se apossava de cada membro de meu ser... vieram as recordações... um beijo no quarto de brilho fosco, cartas, bilhetes, sons, lugares. O tão temido dia chegou. Quando o sonho acabou, a música parou de tocar e como ele mesmo disse... a poesia cessou. As fotografias que outrora esboçavam sorrisos, causavam, agora, dor:
“...tem certos momentos que vejo em nossa fotografia, momentos de puro desejo e alegria, ah se ela tirasse de mim o lamento, de não poder te ver todo dia...”
E assim, revendo as frases que ele me escrevia, abraçada a um pequeno urso que ele me dera em um de nossos aniversários de namoro, minha memória funcionou como um projetor de cinema e tudo o que vivemos até aquele instante passava em minha mente através de imagens, tão reais quanto em um sonho. Procurava entender a essência da palavra AMOR, ela me causava tanta curiosidade, analisava a postura das pessoas em distintos relacionamentos e percebia que as atribuições feitas a ela eram infinitamente grandiosas e variadas. Buscava uma justificativa qualquer para fundamentar minha decisão, mas não encontrava, talvez estivesse em um dos tantos filmes que assisto compulsivamente para saciar minha sede de outras vidas. Em um deles as personagens falavam em amor recíproco infeliz e me peguei pensando sobre isso durante toda a semana. Em outros cheguei a sorrir e chorar, entre morangos e dançarinas de can-can, e claro, ele em todos estes estava presente, misturando minha ficção e sua realidade. Lembrei dos tempos em que eu, mais insegura do que nunca, fazia planos para o futuro. Mas como poderia pensar em um futuro se não tinha ao menos um presente? Ele sempre utilizava como argumento a imaturidade para tentar atenuar o peso de algumas de suas atitudes e isso me doía tanto...
Íamos nos encontrar naquele velho lugar, onde tudo havia, efetivamente, começado. No caminho, selecionava as palavras erradas que iriam ser ditas na hora certa. O céu estava limpo como em uma manhã de agosto e os raios do sol incidiam no mar dando a este um azul tão claro que cegava os olhos. Sentei na grama para esperar e, a cada minuto que passava, minha aflição aumentava, as mãos suavam, o rosto estava tão gélido que, quando o toquei em um gesto de desabafo, me assustei. O avistei, ele estava vestido com a camisa listrada de mangas médias que eu tanto gostava, dava a ele um ar de “romântico-contemporâneo”, logo percebi que ele estava a minha procura. Meu coração pulsava tão intensamente que não cabia mais em meu peito. Nunca havia me sentido tão viva. Acenei e ele voltou seu olhar em minha direção, chegou, agachou e pousou seus lábios nos meus, estavam mornos. Segurou minha mão, como de costume e sorriu. Naquele instante ouvi o toque de Yann Tiersen ao piano, os dedos de Gustavo Santaolalla deslizando livres sobre as cordas do violão. Dentro de seus olhos de jabuticaba eu podia avistar a menininha de minha infância, era como se ele houvesse feito parte de minha vida sempre e eu nunca tivesse me dado conta disso, como um membro que não tem uma aparente serventia e de uma hora para outra você se dá conta de sua existência e de sua importância. Debaixo dos caracóis negros de seus cabelos eu podia sentir a poesia viva de Caetano. Levantei minha mão esquerda e acariciei seu rosto, indagando: como vou fazer pra te esquecer?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Escondido atrás da porta ou Como morrer afogado, se a lama não chega ao joelho?


Na época em que minha irmã casou, eu tinha quinze anos. O sentimento de perdê-la para outro homem me fez prometer que jamais iria aderir ao matrimônio. Continuo com a mesma ideia, hoje assegurada por outros motivos. Aos quinze anos tinha algo que pouco conhecia: o amor, e os amargos do amor. Ambos tão fortes e indiscutivelmente ligados, como a mãe ao feto. Este, o amor, eu também não apreciava, até o dia fatídico que ocasionalmente o encontrei. E digo fatídico, não apenas por ter o sido, mas porque fatídico soa tão bem ao se contar uma estória. E todas elas, as minhas estórias, possuem citações dessa palavra tão expressiva de si. Fa - tí - di - co, é como lâmina afiada cortando cebola saturada de água, um único golpe e se tem o que deseja. É aquilo que se diz, e acabou. Mas continuando... naquele dia fatídico, cito aquele, o primeiro, pois foi onde tudo se iniciara e nada de trágico aconteceu pois exatamente àquele dia, nem mesmo nas semanas ou dois meses seguintes. Mas após, durara tanto e parecia uma extensão, sim uma extensão daquele dia. Culpando, eu, ele. Serei dramático, cafona, usarei termos, frases inteiras de mau-gosto, breguisses que duvidara ter-mo permitido. E direi que assustais, sim. Não teria coragem de pedir-te o contrário. Preferia que meu coração permanecesse na gelidez de antes e não tivesse sido acariciado por mãos tão ternas e perversas. Mãos más, disfarçadas de algodão. E o que será o amor, se não o atrito? Primeiro o atrito das vontades que de tanto desejarem faz friccionar mãos, lábios, depois corpos inteiros, deixando-os sucessivamente com temperaturas elevadas. Um dos sintomas do amor, certamente, é a fumaça, e esta ninguém esconde: onde há fumaça, há fricção, e ... Relembrei a esse tempo que do homem a covardia é uma astúcia e atritar-se a alguém, como nas leis físicas, causa consequências. Eu, rubro, quente do atrito já não pensava nessas superficialidades. Queria aquecer ao ponto de fundir-me ao outro? Perguntas, para que servem se não para perguntar? O outro corpo, parecia-me frio, como exposto aos passantes, dias, no saguão de um aeroporto, quando, eu, buscava um quarto de hotel, mesmo barato. Minhas buscas me encaminharam por locais tão quentes e tão áridos, que achei estar no inferno.

Só.

E estar sozinho, em qualquer lugar, não é tão interessante. Creio ser esse um dos motivos não ter me habituado ao inferno. É impossível habituar-se a solidão depois de dois quase ser um. Não, não... eu avisei do mau-gosto. Perdoe-me. Crês que houve dias tão insossos que cogitei consultar a auto-ajuda? Será que tô sendo franco demasiadamente? deveria ter medo do seu julgamento, mas me da tua mão, quente, e confidenciarei tudo. Começarei pelos cheiros. E te imploro não falais disso a ninguém. Os cheiros!! ah! um dia eles ainda me matam. Devo ser anormal e 95% do meu cérebro corresponder a áreas de memória olfativa. Os aromas me fazem recordar detalhes tão minuciosos, sentimentos tão refinados e estritos, produzindo uma onda de incompreensão vagante pelos outros quatro sentidos, quedando-me ofegante de desejos indizíveis. Os cheiros! ah os cheiros! Sem querer me desfazer, definitivamente, dos meus objetos por ele tocado, joguei-os todos numa sacola das americanas e esta dentro de outra e a pus no fundo daquela gaveta que menos usava. Junto a esses artefatos estava o livro do húngaro, Zosé Costa que havia me presenteado com uma dedicatória escrita a caneta preta. Ainda hoje estão lá. Com medo, mal me aproximo da gaveta, que sinistra me olha, parecendo túrgida de cheiros, disposta a explodir nas minha narinas lembranças tão vivas, mas pungentes, por serem agora, tão somente, lembranças, guardadas em uma gaveta. Por enquanto deixa-a bem fechada, quiçá um dia numa tarde de sábado com céu limpo, quando outros perfumes povoarem minhas lembranças, me lançarei sobre ela e talvez só baratas e lagartixas pálidas brotarão de seu interior. Não falarei dos bons momentos, eles foram bons demais para serem simplificados com palavras. Minto, ó mão tão quente que me acompanha. Não vos contarei por que dessa forma não seria impelido a trazer ao consciente quadros da memória que farão reviver o que não pode ser mais vivido. Deixa assim... um dia quem sabe! Hein?! Falarei apenas que foi, se não, quase dois meses. E ao final destes, antes mesmo de tudo acabar, comecei a estranhar-me os humores, e estando perto ou longe dele o rigor do aperto no peito não se alterava. Era a previsão do fim? Sendo ou não, ele chegou, nefasto, numa tarde seca na minha caixa de e-mails. Naqueles momentos seguintes provei do amargo-morno, do impalatável, onde tudo que existe gera ânsia de vômito, mas trava a garganta, como se o mundo todo contesse no meu estômago, e um mundo todo vivo tem a força de um inferno. Naquele funesto espaço de tempo sentir o olhar seco, e mirar o que quer que fosse me doía, como se minhas oculares ressecadas esfregassem em superfícies ásperas. Dias inteiros sem nenhum gosto seguiram-se a este. Até o dia, sem se conhecer o motivo, em um átimo, tudo estava resolvido. E ouvi as quatro letras de seu nome soava como uma lembrança boa, como uma lembrança de um amor de meu tempo colegial. Por onde andará seu pensamento já não me era uma necessidade saber, desejava talvez que voasse por onde lhe coubesse mas folgadamente. A gaveta continua fechada, já não a olho tão temeroso, mas é que provar de lembranças pelos cheiros trás consequências terrivelmente incontroláveis.
Muitos dirão que não foi amor. Não me importa. O que é o amor senão a vontade de dividir? Os egoístas jamais conseguirão chegar ao amor. A vaidade lhes consomem, e em tudo que veem só conseguem enxergar a sua auto-imagem reverberando uma beleza que aumenta a cada piscar de olhos, sejam eles grandes ou apertados. Os egoístas levam a vida mais rasa que pode haver. E quando se relacionam com outros é a si que buscam. Raramente existe ventura solitária, assim como não existe desgraça na solidão. Solidão. Odeio essas frases tendenciosas do senso comum, mas na atualidade, apesar de ser obrigado a conviver mais com outras pessoas, cada vez que enfrenta a realidade autêntica de sua vida, o homem contemporâneo sente, imediatamente a solidão. E as clássicas histórias de amor são um misto de venturas e desgraças, onde o amor existe de forma recíproca, mas infeliz. O que não foi o meu caso, nem é o da maioria dos mortais. Temos duas penas: além de infeliz, não há reciprocidade.
De início, tentei esquecer, evitar o que quer que fosse que o lembrasse. Quase tudo me encaminhava a ele: cheiros, músicas, pessoas, lugares, livros, situações. Dizem que quando desejamos sofrer na solidão, estamos fugindo da realidade, esquivando-nos do sofrimento... mas ele só aumentava. Decidi falar, não com ele, claro, mas com outros, de início foi até mais difícil, pronunciar aquele nome àquela circunstância era a desgraça maior da minha vida. Afirmam também que ao buscar o consolo dos outros desejamos sofrer com eles. Não sei se assim o foi, mas passou. Ainda o evito, não é fácil estar cercado pelo desejado-inrecíproco. E tudo de forma branda está se atenuando.
Quando passo a noite na rua, sob as luzes escuras dos postes eriçados apontando o céu, e a cabeça insiste em reviver momentos que já não valem a pena, faço brotar dos bueiros companhias de teatros, inteiras, e juntos dançamos La Valse D'amelie, celebrando o prazer das vidas atritadas e dispostas a dividir, mesmo estando cercados de “coisas” rasas, frias e inteiras, adornadas de etiquetas, exibindo vaidades. Em uma dessas festas noturnas, sempre após as 23 horas uma personagem de Navarro que voava pelas imediações me confidenciou, vislumbrada: na vida, meu caro, não há felicidade, existem apenas momentos felizes.

Pois que se faça o mais breve possível o intervalo entre esses momentos.



Ó, não!! … e será que foi apenas orgulho?!!









"(...) por que escrever, é como jogar pedras no lago."


Inspirado, INTUITIVAMENTE, em Prenez soin de vous, de Sophie Calle. A Srª. Poulain, José Ribamar Coelho Santos, Osvaldo Lenine Macedo Pimentel, Dante Moreira Leite, Arnaldo Augusto Nora Antunes, Miguel Arraes de Alencar Filho, clarice e aos Rs por vir.



terça-feira, 1 de setembro de 2009

Desejos

O desejo não pode ser cumprido. E eu me sinto uma besta no baixio. Dores a cada negação. Ser simplesmente... se pudesse. Não entendo como todos acordam, vivem, dormem, morrem como se não sentissem nem notassem nada. É mais fácil embriagar que dispor-se a notar o óbvio. Mas é tão óbvio que me consome. Não dá para esconder. Ainda bem que os afazeres são tantos, que o dia não dá tempo. Ainda bem que me resta no fundo alguma lucidez impedindo-me ser entregue a loucura.
Estou gasto. Queria dar um tempo. O tempo... o tempo transforma tudo em tudo, e no fim não há nada.
Um dia eu não agüento.
Joguei fora as melecas que ainda guardavam os cheiros. Os cheiros... eles ainda me matam.


sábado, 6 de junho de 2009

A menina e o mar

Naquela tarde o céu estava cinzento e as nuvens carregadas. Eu, sentada defronte para o mar, já não tão azul, lembrava da infância. As ondas estavam agitadas e seguiam um ritmo inquietante, o vento vinha de todas as partes e embaraçava meus cabelos que, confusos, espalhavam-se pela face embaçando a vista. O abrir e fechar de olhos atrelado a uma brisa que amaciava o ambiente me trouxeram uma sonolência. Deitei na areia, apesar da recente chuva estava seca e adormeci. Não demorou muito para o despertar, algumas gotas de chuva anunciavam a hora de partir. Levantei e, como se houvesse dormido uma eternidade, limpei os grãos envoltos em meu corpo. Logo espiei o ambiente, senti algo diferente, talvez um mormaço estranho. O mar estava com uma tranquilidade mórbida e o sol havia dado o ar da sua graça. Comecei a caminhar em direção ao ponto de ônibus e só então me dei conta das palavras de minha mãe..."não chegue em casa tarde, a cidade está muito perigosa". Perguntei o horário a uma senhora, mas ela surpreendentemente, se mostrou indiferente à minha indagação. Quando ia dirigir-me novamente a ela, meu ônibus apontou na esquina. Corri para alcançá-lo mas o motorista não esperou e, partiu. Indignada, voltei e me dei conta que uma multidão se formara no Pôrto. A noite já se anunciara, mesmo com um certo receio, fui ver o que havia ocorrido para saciar minha curiosidade. Um círculo de transeuntes se formou rapidamente em torno de algo na praia. Quando estava a caminho, questionei algumas pessoas sobre o ocorrido, mas estas com um semblante de piedade misturado a preocupação, não deram ouvidos. Fui tentando adentrar a multidão e escutei poucas palavras trocadas por duas mulheres próximas a mim:
- Coitada, tão jovem! Como pôde entrar no mar sozinha?
- Alguns salva-vidas levantaram a hipótese de ter sido suicídio, pois um pescador afirmou tê-la visto mais cedo mirando o mar com um ar sombrio.
Então mais curiosa fiquei, nunca tinha visto um morto em minha frente. Fui pedindo licença e me aproximando, as pessoas estavam se dispersando, iam remover o corpo. Quando finalmente consegui vê-lo, estava coberto por uma lona, apenas o pé estava à mostra, branco e enrugado. Então reparei uma fitinha vermelha presa ao tornozelo, era aquela com que meu avô me presenteara no natal.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sem título



Eu quero ser livre

Eu quero ser louca

Quero ser solta

Quero ser alma, âmago

Quero ser um cometa descobrindo a cada minuto

Mais um pedaço do universo

Quero ter asas de borboleta e garras de gavião

Rosto de fada e coração de leão

Quero dar um grito que o mundo inteiro ouça

Quero ser estopim

Explosão de bomba

Ter energia de estouro

Quero um rugido de fera

Força de dragão

E quero ser livre

Quero ser cometa

Solto e cheio de força

Que enche de graça

E também de terror


By Tati Tinúviel


sexta-feira, 15 de maio de 2009

A loucura de estar lúcido

Agora mesmo queria engastar-me na fé. Para não ter que pensar? Para não ter que ficar sem uma verdade. É isso. É isso que nos encaminham a falsos corredores. Corredores imensos de paredes brancas que nossos olhos insistem em ver pintadas, cheia de adornos. Agora mesmo queria me engastar nessas pinturas, porém elas não existem. São os olhos. Eles vêem, mas são sujeiras. No dia em que os limpei, por um átimo senti-me louco, por estar vendo sem travas as trevas nua. Os olhos são lentes, temos que limpá-la, desempestear-las da sujeira que nos jogam na cara. Ela nos espolia de ver... de ver o nada. De ver que a salvação tá no nada. E é ele, o nada todo imenso reverberando uma luz sem cor que faz sentido. Por que é isso que existe: o nada ilimitado, infinito, diante das nossas lentes. No dia em que as limpei sentir-me coagido, coagido pela luz que entrava toda inteira dentro de mim. Iluminava o meu vivo, atravessava peritônio e vísceras. Chegava ao meu eu tão dentro de mim, que eu próprio não sabia onde o encontrar. Ela me livrara da sujidade, do indecoroso, do sórdido. Me libertara do envóculo que impedia minha lente de gozar da luz plena.
Então eu via a verdade? Seria a verdade aquilo tudo, o nada? Estava o genuíno diante de mim? Mas o que fazer com ele? Chorei arduamente por me perguntar. Como é doloroso ter o nada nas mãos e não ter o que fazer com ele. Que fazer com uma nada tão grande? A menos que me tornes tão grande como ele. Novamente recorrerei as travas, novamente aceitarei a sujeira que me atiram aos olhos, ou eu mesmo os sujarei? Oh infâmia! Perdido estou! Perdido num nada grande, num nada autêntico, seduzido em pintá-lo todo, em completá-lo, em pendurar em suas paredes de nada verdades minhas, em enchê-lo de lixo novamente. A menos que consiga mantê-lo assim: vazio. Resistirei?